quarta-feira, 17 de outubro de 2018

De envenenamento a desorientação durante o voo, como os agrotóxicos afetam pássaros e abelhas


Estudo internacional recém-publicado indica que tico-ticos de coroa branca podem perder capacidade de orientação e massa corporal por causa de substâncias usadas em lavouras; no Brasil, pesquisa liga mortandade de abelhas a pesticida.
  Estudo afirma que dois tipos de inseticidas usados no Brasil envenenam aves como o
tico-tico de coroa branca — Foto: Carina Verna Carina/Pixabay


Estudos internacionais recentes vêm reforçando os argumentos de ambientalistas de que o uso de agrotóxicos causa danos à fauna das regiões onde estão as lavouras – às vezes, de longo prazo.

Um deles, divulgado na revista científica "Nature", avaliou o impacto dos inseticidas imidacloprido (neonicotinoide) e clorpirifós (organofosforado), ambos usados no Brasil, em aves canoras (pássaros que têm a capacidade de cantar) que se alimentam de sementes. Os tico-ticos de coroa branca (Zonotrichia leucophrys), pássaros das Américas analisados na pesquisa, apresentaram sinais de envenenamento, perda de massa corporal e alteração na capacidade de orientação durante voos migratórios.

Além dos pássaros, segundo especialistas, qualquer ser vivo está sujeito a sofrer esses efeitos tóxicos, incluindo insetos, répteis, anfíbios, mamíferos, peixes, demais organismos aquáticos e espécies vegetais.

"São compostos químicos projetados para ter um efeito biológico prejudicial ao crescimento, ao desenvolvimento, à reprodução ou à sobrevivência dos organismos", disse à BBC News Brasil Luis Schiesari, professor de gestão ambiental da USP.

Organismos da mesma família das pragas, por exemplo, por serem biologicamente similares, também podem ser atingidos pelos defensivos agrícolas e ter o mesmo destino.

É o que acontece com a lagarta da soja – centenas de mariposas parentes dela são envenenadas. Mas o mais grave é que muitos herbicidas, inseticidas e fungicidas atuam em processos comuns aos seres vivos.

"Algumas moléculas agem no processo da divisão celular, outras no processo da respiração celular e outras no transporte de íons através da membrana celular. Existe um potencial enorme de moléculas (das substâncias químicas) afetarem as espécies não-alvo porque todos os organismos necessitam desses três processos", explica.

Encontrar espécies não-alvo mortas, inclusive predadores naturais das pragas, faz parte da rotina de quem trabalha em campos agrícolas pulverizados com agrotóxicos. Mesmo quando a dose é insuficiente para matá-las, elas podem ter sequelas como a diminuição da fecundidade, malformações no desenvolvimento, alterações comportamentais e perturbações hormonais.

"Um pesquisador da Universidade da Califórnia descobriu anos atrás que o herbicida Atrazina, um dos mais usados no mundo, é capaz de transformar girinos geneticamente machos em fêmeas numa concentração de uma parte por bilhão. Mesmo que aquele indivíduo não morra no curto prazo, a população morre no médio prazo porque, se deixa de ter reprodução, entra em colapso", afirma Schiesari.


No entanto, fabricantes garantem que esses produtos, principalmente os mais novos, passam por pesquisas minuciosas para que sejam eficientes no controle de pragas, doenças e ervas daninhas, e ambientalmente seguros.
"Vários estudos são realizados desde o início do descobrimento, verificando sua viabilidade através de estudos preliminares. As empresas começam com cerca de 160 mil moléculas, mas no final de quatro anos restam apenas cinco que seguirão os próximos estágios de desenvolvimento", afirma Andreia Ferraz, gerente de ciência regulatória da Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF).
"Essas moléculas, para seguirem, passam por diversos estudos toxicológicos e crônicos, e por outros que permitem caracterizar tanto o destino ambiental, bem como os efeitos para organismos não-alvo."


Cerco fechado para as abelhas

O fenômeno do declínio populacional de abelhas em conexão com o uso de agrotóxicos vem sendo acompanhado de perto por vários países e comprovado por pesquisas como o relatório divulgado pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) no início de 2018.

Após analisar mais de 1,5 mil estudos sobre os neonicotinoides (agrotóxicos derivados da nicotina), o órgão afirmou que os danos que o agrotóxico causa nas abelhas variam de acordo com a espécie, a utilização e a via de exposição, mas de modo geral representa riscos para todas.

Pesquisas anteriores tinham revelado que o composto químico neurotóxico danifica a memória do inseto – ao sair para buscar alimento, ele se perde e não consegue voltar para a colmeia – além de provocar a morte precoce de abelhas rainhas e operárias.

A substância também foi considerada vilã das abelhas por pesquisadores da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, em estudo publicado na revista Science. Foram encontrados traços de pelo menos um tipo de neonicotinoide em 75% das amostras de mel coletadas em todo o mundo.

Diante das evidências, recentemente a União Europeia proibiu três inseticidas da classe desse agrotóxico: imidacloprido, clotianidina e tiametoxam.

Fungicidas também podem ser fatais para o inseto, segundo pesquisadores, já que alguns fungos mantêm relações simbióticas com as abelhas.

Outros fatores, como doenças comuns e o desmatamento também podem ameaçar as colônias. Neste último caso, quando abre-se caminho para o plantio de grandes planações, as abelhas acabam se alimentando apenas de um tipo de pólen e de néctar disponível nesses cultivos. Por causa disso, acabam enfraquecendo por deficiência nutricional.


Pesquisa inédita com abelhas no Brasil

No Brasil, cientistas também observaram a mortalidade de abelhas intoxicadas por defensivos agrícolas.

"Os inseticidas foram desenvolvidos para matar insetos, e a abelha é um inseto. Se ela se aproxima, vai ocorrer mortalidade. É um problema bastante sério no Estado de São Paulo. Não que não aconteça em outros Estados do Brasil, mas em São Paulo nós temos registro", adverte Roberta Nocelli, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que desenvolve pesquisas em ecotoxicologia de abelhas.

O registro que ela menciona é uma pesquisa inédita no Brasil realizada pelo Projeto Colmeia Viva com participação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da UFSCar. Para fazer o Mapeamento de Abelhas Participativo (MAP), especialistas estiveram em apiários entre agosto de 2014 e agosto de 2017, com o objetivo de averiguar a relação da agricultura e apicultura e a aplicação de agrotóxicos.

Das 107 visitas feitas em campo, 88 possibilitaram essa análise. Foi encontrada a presença de inseticidas neonicotinoides, de pirazol e de triazol em 59 casos, dentro e fora das culturas agrícolas (por exemplo, quando as abelhas buscam água e alimento em áreas de criação de gado).

Os casos de mortalidade do inseto por uso incorreto de agroquímicos nas lavouras representaram 35,59% das amostras coletadas.

Esses dados se referem à espécie Apis Mellifera africanizada (uma mistura de subespécies europeias e africanas), conhecida como "abelha que produz mel". As abelhas que têm origem brasileira não foram analisadas.

"Não podemos mensurar o impacto das abelhas que estão nas matas. Mas, pelas medições que fazemos com a Apis Mellifera, estimamos que a mesma coisa esteja acontecendo com as colmeias das colônias de abelhas nativas. São aproximadamente 3 mil espécies não pesquisadas", afirma Nocelli.

O perigo de extinção das abelhas assusta porque o inseto desempenha um papel fundamental na produção de alimentos. "É importante pensarmos que a produção depende do polinizador em boa parte das culturas. E a abelha é o polinizador mais importante, porque é responsável pela polinização de mais de 70% das plantas com flores."


Mudanças na legislação de agrotóxicos

Quando os agrotóxicos causam o enfraquecimento ou a morte de animais polinizadores, as colheitas são menos fartas. Por outro lado, se eles forem retirados das lavouras, as pragas são capazes de destruir safras inteiras.

Por isso, não é o fim completo do uso de agrotóxicos que a maioria dos biólogos e grupos ambientais defende, mas sim um uso mais responsável desses produtos e a adoção de formas de controle que não agridam o meio ambiente, como o manejo integrado de pragas, sempre que possível.

O Brasil é o país um dos países que consome o maior volume de agrotóxicos no mundo. E, para os ambientalistas, o consumo tende a aumentar com o Projeto de Lei 6.299/2002, que muda as regras de fiscalização e aplicação das substâncias.

Se aprovado, o projeto centralizará a responsabilidade de liberar ou não novos agrotóxicos – que hoje é dividida entre os ministérios de Agricultura, Meio Ambiente (por meio do Ibama) e Saúde (pela da Anvisa) – no Ministério da Agricultura. O Ibama e a Anvisa continuarão fazendo análises sobre o meio ambiente e a saúde humana, mas a decisão final caberá à pasta.

Segundo Marisa Zerbetto, coordenadora-geral de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas do Ibama, isso seria um golpe duro para a fauna, a flora e a saúde humana.

"A mudança proposta pode trazer inúmeros riscos ao meio ambiente ao tornar ineficaz uma política de minimização dos efeitos da utilização dos agrotóxicos. O projeto de lei sobrepõe interesses econômicos aos de proteção à vida em todas as suas formas, à saúde pública e à qualidade ambiental."

Mas, para Marcelo Morandi, chefe da Embrapa Meio Ambiente, o projeto de lei traz avanços para resolver problemas da legislação atual. Um deles é a dependência de protocolos distintos do Ministério da Agricultura, do Ibama e da Anvisa para o registro de novos agrotóxicos, o que, segundo ele, faz com que o processo caminhe de forma muito lenta.

O PL estabelece um prazo máximo de dois anos para que essa análise ocorra, diferentemente da lei atual, que permite que a avaliação seja concluída em até oito anos. "A questão de unificar o processo é um ganho muito importante. Não é tirar o papel de nenhum dos três órgãos. Isso vai continuar acontecendo. O grande avanço é a unificação desse processo no sentido do trâmite."

Para ele, outro ponto positivo é a substituição da análise de perigo, adotada hoje, pela análise de risco, proposta no projeto de lei. Em vez de proibir os produtos pela simples identificação do perigo de uma substância (de causar câncer, por exemplo), haverá a possibilidade de registro após uma avaliação que aponte possíveis doses seguras. Pelo texto, serão proibidos produtos que apresentem "risco inaceitável" para o ser humano e o meio ambiente.

"A análise de risco dá um panorama muito maior de qual é a segurança dos produtos. Em relação ao grau de conservadorismo que será adotado, cada país estabelece o seu."


Como agrotóxicos são aprovados?

Mas enquanto o PL não é votado no plenário da Câmara dos Deputados, as regras antigas continuam valendo. Atualmente, os agrotóxicos passam por uma longa avaliação antes de serem liberados para a comercialização.

"A partir do conhecimento que obtemos sobre o agente químico, físico ou biológico destinado ao controle de um organismo considerado nocivo, são delimitadas as doses, o modo e a frequência de aplicação dele e os cuidados a serem adotados para a minimização dos efeitos sobre organismos não-alvo durante e após a sua aplicação. Também são estabelecidas as restrições ao uso que se fizerem necessárias", explica Marisa Zerbetto.

Para determinar o grau de toxicidade dessas substâncias, são examinadas espécies não-alvo e realizados estudos de persistência ambiental do agrotóxico e de sua mobilidade em solo - ou seja, quando tempo ele permanece na natureza e se pode ser levado para lençóis freáticos, por exemplo.

Os testes são feitos com espécies padronizadas internacionalmente, algo que o Ibama quer mudar buscando parcerias para pesquisar organismos específicos da fauna brasileira nas diferentes regiões agrícolas.

Feita a análise, os agrotóxicos recebem classificação 1, 2, 3 ou 4, sendo os enquadrados na classe 1 os mais perigosos. A fiscalização desses produtos é feita tanto pelos Estados quanto por órgãos federais.

O mal que os agroquímicos podem causar depende de sua toxicidade, da dose aplicada e da duração deles no ambiente, ressalta Zerbetto.

Por isso, ela diz, é importante seguir as informações contidas nos rótulos e bulas e não utilizar o controle químico em cultivos onde as pragas ainda não estão presentes. Bom senso também é importante. No caso das abelhas, por exemplo, jamais se deve pulverizar defensivos agrícolas durante a florada ou quando elas estiverem buscando alimento nas lavouras.

Marcelo Morandi diz que os agrotóxicos novos que estão em fase de análise são menos nocivos que os utilizados atualmente no país. "Eles são menos tóxicos e mais eficientes do que os antigos, que não são tirados do mercado por não terem substitutos."

Segundo Silvia Fagnani, diretora-executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), é importante que os agrotóxicos sejam usados corretamente para a praga e a cultura.

"O setor de defesa vegetal acredita no equilíbrio entre uso de defensivos agrícolas, a produção agrícola e as espécies não-alvo. Ou seja, é possível que insetos e as práticas agrícolas convivam sem danos às espécies não-alvo."






terça-feira, 2 de outubro de 2018

Plantas que 'sangram metal' podem ajudar na recuperação de solos contaminados

O látex das árvores da espécie Pycnandra acuminata possui uma chamativa cor azul, que contém aproximadamente 25% de níquel em sua composição

Reprodução/Newphytologist.org
As plantas da espécie Pycnandra acuminata são muito incomuns e conseguem absorver metais pesados dos solos


A espécie de árvore  Pycnandra acuminata possui uma característica muito peculiar: ela é capaz de absorver metais pesados, como níquel e cobre, do solo onde vivem. De acordo com informações da BBC News , agora os cientistas estão muito interessados nessas plantas da ilha de Nova Caledônia, no sul do Pacífico, e sua potencial capacidade de “limpar” terrenos contaminados.

Chamadas de “hipercumulativas”, elas evoluíram para conseguir absorver metais tóxicos em seu sistema, desde as folhas até as sementes. Esse grupo sempre chamou a atenção de pesquisadores, contudo, as plantas da espécie  Pycnandra acuminata tem sido particularmente curiosa para os cientistas.

“Ela é uma grande (com até 20 metros de altura) e rara árvore de florestas tropicais , restrita às pequenas manchas florestais em Nova Caledônia”, explicou Antony van der Ent, pesquisador da Universidade de Queensland, da Austrália. Para ele, a capacidade de absorver níquel e metal é uma maneira da espécie se proteger contra insetos.

Sua singular característica foi descoberta nos anos 1970 e tem sido analisada desde então, sendo que muito já foi desvendado sobre elas. Um dos pontos mais curiosos sobre a espécie é justamente o seu látex, que com uma coloração azulada muito chamativa e metálica, possui essa aparência por conter 25% de níquel em sua composição.

“Como um objeto de estudo, ela é muito desafiadora porque cresce muito devagar, demorando décadas para produzir flores e sementes. Ela é ameaçada pelo desmatamento, atividades de mineração e queimadas”, disse o australiano.


Potencial uso das plantas no futuro


Divulgação
As plantas que conseguem absorver metais pesados crescem devagar e são ameaçadas pelo desmatamento (foto ilustrativa)


O atual objetivo dos pesquisadores é entender por que a espécie evoluiu dessa forma, o que muito provavelmente não está relacionado com a interferência humana nos solos de seus habitats naturais. Depois disso, eles esperam que seja possível usar as "hiperacumuladoras" para limpar solos contaminados com metais pesados , isso sim, resultado de atividade humana. 

Outra potencial aplicação está na técnica chamada  phytomining , ou seja, fazer  plantas  dessa espécie cresceram em áreas pobres em minerais e ricas em metais, assim, elas podem extrair as substâncias que impedem o cultivo de outras espécies na região





segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Foca-caranguejeira chama a atenção de frequentadores na Praia do Recreio



Uma foca-caranguejeira chamou a atenção de frequentadores da praia do Recreio, na Zona Oeste, na manhã desta sexta-feira (07/09). Segundo frequentadores da praia, o animal apareceu por volta das 9h na altura do posto 12. Trata-se de uma animal em idade jovem natural da Antártica, segundo a veterinaria do Laboratório de mamíferos aquáticos e bioindicadores da Faculdade de Oceangrafia da UERJ Joana Ikeda. O aparecimento de animais dessa espécies são raros, diz a especialista.

— A gente tem registro (de um aparecimento da espécie) em 2016 na Região dos Lagos, mas é um evento raro. São animais jovens e acabam se perdendo com as mudanças de temperatura das correntes marítimas — explica a veterinária, que ainda não conseguiu identificar o sexo do animal.

A comissária de voo Vivianne Morgado, de 33 anos, moradora do Recreio, passava pela orla da praia por volta das 9h30 quando viu uma movimentação na areia.

— Parei para olhar e vi que os bombeiros estavam isolando a área. Disseram que tinha uns 20 minutos que estava ali. Os bombeiros disseram que não sabiam o procedimento porque nunca apareceu leão marinho. Não sabiam o que fazer, então a princípio não fariam nada. Eles estão aguardando a chegada de um profissional para avaliar o animal — diz Morgado.

Banhistas acreditavam que o animal estava machucado. A análise da veterinária Joana Ikeda, porém, constatou que o animal está em boas condições e, a princípio, não precisa de intervenção humana:

— O animal, diante da avaliação veterinária, está bem. Não apresenta problema respiratório ou algum outro problema visível. Não justifica interferência. Se a gente tira da praia, não consegue devolver à natureza. Estamos esperando o tempo de descanso. Ele será monitorado o tempo todo.

Inicialmente, acreditava-se que se tratava de um leão-marinho, informação confirmada pelo Corpo de Bombeiros. No entanto, após a chegada da veterinária Laboratório de mamíferos aquáticos e bioindicadores da Faculdade de Oceangrafia da Uerj Joana Ikeda, constatou-se que o animal é um foca-caranguejeira.

OUTROS ANIMAIS APARECERAM RECENTEMENTE

No dia 23 de agosto, um lobo-marinho chamou a atenção de quem passava pela Prainha, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio, na quarta-feira. Ele estava repousando, deitado sobre uma pedra, aparentemente debilitado. Guardas municipais chamaram uma equipe da Patrulha Ambiental para resgatar o animal.

No mesmo dia, pessoas que caminhavam pela areia da praia do Leblon, na Zona Sul do Rio, se surpreenderam com a rara presença de um pinguim. O animal estava morto. Leonardo Fonseca, biólogo especialista em aves, que trabalha no Rio Zoo, contou que esta espécie está em período migratório, vindo da Argentina, e que, por isto, podem acabar se perdendo e chegando nas praias do Rio debilitados.





sexta-feira, 24 de agosto de 2018

A água invisível que “comemos” todo dia sem saber (e seus problemas)

Gado bebendo água: na média mundial, são necessários 15,5 mil litros de água para produzir 1 quilo de carne. (PaulGrecaud/Thinkstock)


São Paulo – Comer água? A escolha das palavras pode parecer estranha, mas, acredite, nós “comemos” um monte de água todos os dias sem nos darmos conta. Por dia, uma pessoa bebe de 2 a 4 litros de água, incluindo a contida em sucos, refrigerantes e outras bebidas. No mesmo período, consome de 2 mil a 5 mil litros de água na forma de alimentos. Tudo quanto é alimento precisa de água para crescer, o que torna a agricultura um negócio extremamente sedento.
Sozinha, a atividade responde, em média, por 70% do consumo mundial do recurso. Mas isso é tão óbvio! Você deve estar pensando, e tem razão. Mas a obviedade tende a cair no esquecimento, já que não exige esforço para ser lembrada ou assimilada. Podemos passar uma vida inteira alheios ao fato de que água não mata só a nossa sede, mas também sacia a nossa fome. Neste Dia Mundial da Água, aproveitemos o momento para refletir.
No rótulo do pão de forma integral ou do biscoito, água sequer é ingrediente. Mas para cultivar o trigo e produzir a farinha refinada, base desses alimentos, gasta-se na média mundial 1,8 mil litros de água por quilo. Cerveja aguada, não dá né? Mas, acredite, para produzir um copo de cerveja (de 250 ml), lá se vão outros 75 litros de água, sendo que a maior parte disso é só para cultivar cevada e outra culturas envolvidas na produção da bebida.
São números volumosos que passam despercebidos por nós, consumidores, mas que podem ser estimados pelo cálculo da chamada “pegada hídrica”, do inglês “water footprint”.
O conceito da pegada hídrica, desenvolvido pelo pesquisador holandês Arjen Y. Hoekstra, abrange a quantidade de água total direta e indiretamente usada para produção de um produto. Sua essência se assemelha às de outras metodologias de contabilidade ambiental, como a pegada ecológica e de carbono: entender de que maneira a forma como vivemos, produzimos e consumimos deixa marcas no meio ambiente.
E o resultado pode surpreender. São necessários 1,7 mil litros de água, em média, para cada quilo de arroz colhido (que é transportado com casca para a usina de beneficiamento). A mesma quantia de batata exige, em média, 290 litros, ao passo que a laranja exige mais de 530 litros por quilo.  Tais cálculos levam em conta médias mundiais e, por tanto, variam de um país para o outro, dependendo das condições de cultivo, do clima, solo e técnicas empregadas.
Num país como o Brasil, megaprodutor de commodities agrícolas, junto com os contêineres cheios de café, soja, milho e açúcar que deixam os portos rumo ao mercado internacional todos os anos, saem toneladas de água, que foram usadas para a produção desses alimentos.
Exportamos, por ano, 112 trilhões de litros de água virtual, segundo dados da Unesco compilados com base na metodologia da pegada hídrica. Somos o quarto maior exportador de “água virtual” do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Índia e China.
Setor pecuário
À medida que o Brasil se consolida como um grande fornecedor de proteína animal, com um crescimento acumulado na produção de carne bovina estimada em 10,4% entre 2017 e 2021, aumentam as preocupações sobre o volume de água embutido nessa produção. Na média mundial, o volume de água necessário para produzir 1 kg de carne bovina é de 15,4 mil litros.
O cálculo desse número é complexo, e depende de vários fatores, como local do sistema de produção, tipo de animal, o volume de água empregado na produção de insumos, como fertilizantes e medicamentos, a água usada na produção da ração animal, passando pelo volume usado na fazenda para dessedentação, irrigação e lavagem de instalações, até a água necessária para processar a carne que vai chegar ao consumidor final.
“Apesar da complexidade, esforços para conhecer o valor da pegada contribuem para melhorar a gestão da água na cadeia da pecuária e mitigar possíveis impactos. Mais importante do que chegar a um número, é mapear a relação dos elos da cadeia com a água”, explica ao site EXAME o pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Julio Cesar Pascale Palhares, que estuda os impactos das produções animais nos recursos hídricos.
Nos últimos anos, a Embrapa tem se debruçado sobre a calculadora, na tentativa de desenvolver indicadores de eficiência hídrica para avaliação do desempenho das diversas cadeias produtivas da carne brasileira. A meta é avaliar a sustentabilidade da atividade, possibilitando a identificação de pontos críticos no uso da água e ações para reduzir impactos negativos, melhorar a eficiência hídrica da produção e de quebra reduzir custos.
Praticar irrigação noturna, construir cisternas para captar água da chuva, instalar hidrômetros na propriedade, substituir mangueiras de fluxo contínuo por modelos de fluxo controlado e adotar programas de detecção de vazamentos são algumas medidas simples que ajudam o produtor rural a diminuir o consumo de água na fazenda.
Pequenos ajustes na dieta animal também dão sinais promissores. Em estudo sobre a pegada hídrica do leite com fazendas parceiras, os pesquisadores da Embrapa conseguiram reduzir em três litros o consumo diário de vacas leiteiras (15% de redução da pegada), com uma intervenção nutricional baseada no ajuste de proteínas na dieta durante o período de lactação. Segundo Palhares, considerando um rebanho de gado leiteiro de 100 animais, e o  período de lactação em torno de dez meses, a economia de água passaria dos 9 mil litros.
Embora as oportunidades para melhorar a gestão da água no setor sejam vastas, a disseminação de boas práticas no campo dependem de mudanças profundas de hábitos.
“Os produtores precisam internalizar no seu dia a dia o manejo hídrico, usar práticas, manejos e tecnologias que conservem água em quantidade e qualidade. Se ele está andando na propriedade e vê uma mangueira pingando, ele deve resolver isso. É importante enxergar a água como um fator essencial de produção, como é a ração, por exemplo. O maior limitante é a questão cultural, aprendemos que no Brasil água é abundante e barata. Mas temos que desconstruir essa ideia, pois água é na verdade um recurso valioso, finito e com custo econômico e ambiental”, diz o pesquisador da Embrapa.
E não devemos nos esquecer que tão importante quanto ter água abundante é ter água em qualidade. A poluição hídrica, causada por agrotóxicos, fertilizantes e outros produtos agroquímicos que escoam para os lençóis freáticos, contaminando rios, lagos e reservas subterrâneas, é um problema crescente em todo o mundo e que compromete a saúde do meio ambiente.
A edição 2018 do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, divulgada no Fórum Mundial da Água, que ocorre em Brasília, estima que a produtividade agrícola poderia aumentar em cerca de 20% em todo o mundo se práticas de manejo de água mais ecológicas fossem usadas.
Um estudo citado pelo relatório analisou projetos de desenvolvimento agrícola em 57 países de baixa renda e descobriu que o uso mais eficiente de água combinado com as reduções no uso de defensivos agrícolas e melhorias na cobertura do solo, aumentou a produção média de safras nos países estudados em 79%.

Desperdícios vão muito além do campo

Como você já deve ter percebido, nossos pratos estão transbordando de água. Mesmo com técnicas aprimoradas e eficientes de cultivo com menor desperdício, sempre precisaremos de água para plantar. Por isso, a responsabilidade pelo consumo consciente e eficiente de água vai muito além do campo e do agricultor.
Atualmente, o mundo desperdiça nada menos do que um terço dos alimentos que produz, de acordo com estudo do World Resources Institute (WRI) em parceria com o Programa Ambiental das Nações Unidas (Pnuma). A cada ano, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos vão parar no lixo, um desperdício ultrajante de comida que reflete um desperdício de recursos naturais, contribuindo assim para impactos ambientais negativos.
Pelos cálculos da ONU, a água utilizada para produzir esses alimentos que são desperdiçados poderia encher 70 milhões de piscinas olímpicas, enquanto a quantidade de terras cultiváveis usadas para essa produção perdida é equivalente ao tamanho do México. Para piorar, um quarto da agricultura mundial está em áreas que sofrem um forte estresse hídrico, ou seja, onde a demanda de água supera, em muito, a oferta.
Em um Planeta mais quente, sujeito a eventos climáticos extremos, os danos à agricultura tendem a aumentar. De acordo com um novo relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), entre 2005 e 2015, os desastres naturais custaram aos setores agrícolas das economias dos países em desenvolvimento US$ 96 bilhões em prejuízos. Isso representa quase um quarto de todas as perdas financeiras causadas por catástrofes naturais no período.
Há uma potencial crise a caminho, que poderá ser deflagrada pelo aumento populacional, a crescente pressão sobre os recursos naturais e um clima cada vez mais arisco. Em 1950, o planeta tinha três bilhões de habitantes; em 2050, seremos nove bilhões, o que colocará uma pressão adicional sobre os recursos hídricos.
Frente ao cenário nebuloso que se avizinha, compreender a relação entre a água e os padrões de produção e consumo de alimentos é um caminho, no mínimo, inteligente e saudável de mitigar riscos e, quem sabe, reduzir nossa pegada no mundo.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

O uso abusivo dos agrotóxicos e o mal que eles fazem à saúde humana



O avião percorre numa velocidade média os campos de plantações. O ronco do motor destoa do silêncio. De vez em quando, vê-se uma nuvem de fumaça sendo aspergida sobre o solo e alguém, que está por trás da câmera, comenta algo. O cenário fica em Mato Grosso e quem filma a viagem do avião é um representante da Opan (Operação Amazônia Nativa) entidade que defende os direitos dos povos indígenas. A denúncia é que o limite de 250 metros de distância obrigatório por lei para aspergir agrotóxico foi violado pelo piloto flagrado nas imagens. Índios reclamaram de doenças respiratórias por causa das substâncias.

O Brasil comemora o fato de ter a segunda maior frota de aviação agrícola do mundo. No ano passado, eram registradas 2.115 aeronaves, 2.108 delas aviões. Brasil tem a 2ª maior frota de aviação agrícola do mundo. Com 464 aeronaves, Mato Grosso é o estado com a maior frota do país. Rio Grande do Sul (427) e São Paulo (312) vêm na sequência. A maior frota do mundo pertence aos Estados Unidos (3.600 aeronaves), seguida do México,que ocupa o terceiro lugar no ranking.

Aviões agrícolas foram feitos para distribuir sementes e aplicar defensivos agrícolas, inseticidas, nas lavouras. Também chamados de agrotóxicos. O Brasil consome 20% de todo agrotóxico comercializado mundialmente. E este consumo tem aumentado significativamente nos últimos anos.

Apesar de serem motivo de comemoração, o aumento do número de aviões agrícolas e do consumo de agrotóxicosnão são notícias boas para quem consome os alimentos. Há um uso abusivo dessas substâncias, o que pode causar doenças graves nos humanos.

Depois de estudar cerca de três anos exaustivamente o tema dos agrotóxicos, a professora de Geografia Agráriada USP Larissa Mies Bombardi escreveu uma tese, chamada “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, em que enfatiza essas questões. Sobretudo fica bem claro, depois da leitura do livro, que o marco regulatório da União Europeia é bem mais restritivo com relação aos agrotóxicos do que as proibições impostas, aqui no Brasil, aos que produzem essas substâncias.

"A União Europeia implantou em 2011 um marco regulatório mais restritivo para os agrotóxicos, fazendo com que uma série de ingredientes ativos esteja em fase de banimento na região do bloco econômico. 30% de todos os agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos na União Europeia. E entre os dez ingredientes ativos mais vendidos no Brasil dois são proibidos na união europeia", escreve ela.

“Atrazina é um inseticida que foi proibido na União Europeia em 2014 e que, no Brasil, segue autorizado para os cultivos de abacaxi, cana-de-açúcar, milho, milheto, pinus, seringueira, sisal e sorgo. Mato Grosso do Sul lidera o uso seguido por São Paulo e Mato Grosso. No Brasil estão autorizados, para o cultivo do café, 121 diferentes agrotóxicos. Trinta deles são proibidos na União Europeia há 15 anos”, escreve ela.

Um aspecto da diferença de quantidade de agrotóxicos usados no Brasil e na União Europeia é evidente, em números absolutos. A outra parte é invisível: diz respeito à quantidade de resíduos de agrotóxicos permitida nos alimentos e na água. Isso atinge não só a população rural, como os índios que estão denunciando na reportagem através da organização que os defende, como a população do mundo todo que consome tais produtos.

“Há um fenômeno, quando se pratica a pulverização aérea, denominado “deriva” que se refere à quantidade de agrotóxicos que não atinge o chamado “cultivo-alvo” e que se dispersa no amviente. Fatores que influenciam a deriva, segundo a Associação Nacional de Defesa Vegetal: vento, temperatura do ar, umidade relativa do ar, distância do alvo, velocidade de aplicação e tamanho das gotas”, escreve a professora em sua tese.

Os agrotóxicos foram desenvolvidos na Primeira Guerra Mundial e usados como arma química na Segunda Guerra Mundial. Quando acabou a guerra, eles começaram a ser usados também para defender os agricultores das pragas que podiam acabar com seu sustento e, mais do que isso, arruinar plantações que poderiam alimentar as pessoas. Até hoje há quem os defenda dessa maneira, ou seja, como ferramentas indispensáveis para permitir que os 7 bilhões de humanos possam se alimentar.

As denúncias feitas por organizações e pesquisadores que estudam o tema levam a outro caminho e apontam para os riscos do uso dessas substâncias. Vandana Shiva, cientista, pesquisadora, filósofa, criadora do Banco de Sementes em seu país, a Índia, conta que passou a pesquisar sobre os malefícios do uso de agrotóxicos para a saúde humana quando, há mais de trinta anos, foi testemunha de um acidente ocorrido numa fábrica de inseticidas e que matou mais de 35 mil indianos.

“Os agrotóxicos foram criados na Guerra para matar pessoas”, diz ela.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) fez também um documento apontando problemas com o uso abusivo de agrotóxicos. Chamado “Impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, o dossiê não deixa nem margem para dúvidas. Segundo os cientistas, “os agrotóxicos fazem mal à saúde das pessoas e ao meio ambiente”. Alguns dados coletados no estudo corroboram a afirmação:

“Entre 2007 e 2014 o Ministério da Saúde recebeu 34.147 notificações de intoxicação por agrotóxico”

“Entre 2000 e 2012 o Brasil teve um aumento de 288% do uso de agrotóxicos”

“Relatório da Anvisa de 2013 constatou que 64% dos alimentos estão contaminados por agrotóxicos”.

Diante disso, o faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil em 2014, que foi de US$ 12 bilhões, deixa extremamente claro que estamos diante de um dos muitos casos em que o desenvolvimentismo se volta contra a saúde e o bem-estar das pessoas.

É preciso achar um equilíbrio. Ou, que cada um de nós passe a fazer mais contato com os alimentos que consumimos. Talvez não seja tão fácil num primeiro momento, mas a informação é bastante para se começar um movimento neste sentido.



sexta-feira, 29 de junho de 2018

Cobrança por sacola plástica reduz poluição marinha na Europa

Estudo pioneiro associa queda no uso de sacos plásticos após taxação à menor poluição marinha em torno da Grã-Bretanha



São Paulo – Cobrar consumidores e estabelecimentos comerciais pelo uso de sacolas plásticas tem sido uma das medidas mais adotadas por cidades e países na tentativa de reduzir a poluição marinha causada pelo material de origem fóssil. Mas será que a  taxação realmente faz diferença?
A resposta é sim. Em estudo pioneiro, pesquisadores descobriram uma queda estimada de 30% no volume de sacolas plásticas encontradas nos mares ao redor da Grã-Bretanha.
O estudo, publicado na revista Science of the Total Environment, afirma que a queda na poluição das sacolas plásticas é o resultado dos impostos implementados na Europa e ilustra claramente seu poder de reduzir a geração de lixo plástico.
Irlanda e Dinamarca foram os dois primeiros países europeus a introduzir taxas sobre sacolas plásticas, nos idos de 2003. Nos anos seguintes, outras nações europeias seguiram o exemplo. A adesão mais recente à taxa foi a do Reino Unido, em 2015.
A taxa britânica de 5 centavos de libras (cerca de 25 centavos de real) por sacola plástica já reduziu a quantidade de sacolas descartáveis ​​distribuídas pelos grandes varejistas em impressionantes 85%. Na média, o número de sacolas que uma pessoa usa por ano caiu de 140 para 25, relata o jornal The Guardian.
Todos os anos, os oceanos recebem cerca de 8 milhões de toneladas de lixo plástico, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU). Neste ritmo, estima-se que até 2050 possa haver mais detritos plásticos do que peixes no mar.
Os resíduos plásticos dos aterros urbanos são carregados por enxurradas para o mar ou despejados diretamente nos rios pela população. E eles viajam milhares de quilômetros, sendo encontrados em ilhas e regiões marítimas remotas.
Além de não encontrar barreiras, a poluição dos oceanos por resíduos plásticos têm consequências catastróficas para a vida nesse ecossistema, já que muitos animais podem morrer por asfixia ou ingestão de fragmentos.