segunda-feira, 28 de agosto de 2017

A polêmica decisão de Temer de abrir uma área gigante da Amazônia à mineração

Área na Amazônia do tamanho da Dinamarca perderá o status de proteção ambiental (MARIO TAMA/GETTY IMAGES)

Em meados de 1980, uma região da floresta amazônica entre o Pará e Amapá comparada à Serra dos Carajás por seu potencial mineral despertava o interesse de investidores brasileiros e estrangeiros.

Para salvaguardar sua exploração, o então governo militar decretou em 1984 que grupos privados estavam proibidos de explorar a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área de quase 47 mil km quadrados - maior que o território da Dinamarca. A ideia era que a administração federal pesquisasse e explorasse suas jazidas.

Nos anos seguintes, no entanto, o projeto avançou pouco, e a riqueza natural da área levou à criação de nove zonas de proteção dentro da Renca, entre elas reservas indígenas. A possibilidade de mineração foi, então, banida.

Mais de três décadas depois do decreto, nesta quarta-feira, o governo federal reabriu a área para a exploração mineral, numa iniciativa que gera expectativa de empresas e preocupação de pesquisadores e ambientalistas.

Assinado pelo presidente Michel Temer, o decreto nº 9.142 extingue a Renca e libera a região para a exploração privada de minérios como ouro, manganês, cobre, ferro e outros.

Em meio à crise econômica, o Ministério de Minas e Energia argumenta que a medida vai revitalizar a mineração brasileira, que representa 4% do PIB e produziu o equivalente a US$ 25 bilhões (R$ 78 bilhões) em 2016, mas que vinha sofrendo com a redução das taxas de crescimento global e com as mudanças na matriz de consumo, voltadas hoje para a China.


Críticas

O ministério garante que o decreto cumprirá legislações específicas sobre a preservação da área. Ou seja, áreas de proteção integral (onde não é permitida a habitação humana) e terras indígenas serão mantidas.

No entanto, a iniciativa foi bombardeada por especialistas brasileiros e estrangeiros, que acreditam que os prejuízos da mineração serão sentidos amplamente.





"Não poderia ter uma notícia pior", resumiu à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe, que monitora o desmatamento da Amazônia) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Segundo o pesquisador, haverá impacto nas correntes marítimas que transportam umidade à região amazônica e que uma seca pode ser sentida até nos vizinhos do continente.

"Isso vai afetar toda a bacia amazônica e o continente sul-americano. É o mesmo que pegar uma pessoa pelo pescoço", afirma Nobre.

A Amazônia brasileira chegou a ter recorde de 80% na queda do desmatamento entre 2004 e 2012, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Mas voltou a crescer nos últimos cinco anos - embora uma tendência comece a indicar novamente uma redução. Além disso, 2015 e 2016 foram anos recordes de queimadas na região, segundo dados do Inpe.

Áreas de proteção são essenciais para conter o desmatamento, ressalta Erika Berenguer, pesquisadora-sênior do Instituto de Mudança Ambiental da Universidade de Oxford.

"O maior impacto não será na área de mineração, mas indireto. Haverá um influxo de pessoas que levará a mais desmatamento, mais retirada de madeira e mais incêndios", explica. "É uma visão muito simplista do governo de dizer que só uma área será afetada."

"Fora que a mineração é altamente poluidora e tem poucos benefícios para a população local, vide a situação socioeconômica de Carajás", acrescenta Berenguer.


Jazidas de Carajás

A Serra dos Carajás, no sudoeste do Pará, é vizinha da Renca e abriga parte das maiores jazidas de minério de ferro, ouro e manganês do mundo. Com a corrida de minérios a partir dos anos 1960, grandes centros urbanos se instalaram no entorno, pressionando o bioma dali.

O potencial geológico da Renca é semelhante ao de Carajás, segundo a organização WWF e o geólogo Onildo Marini, diretor-executivo da Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira (Adimb). Por isso é tão interessante para investidores.

"Essa região é altamente promissora para a exploração de diversos minérios", afirma Marini.

O geólogo concorda que a abertura da área provocará "certo impacto" com a construção de rodovias, chegada de energia elétrica e de moradores. Mas defende que ele ficará restrito.



Terras indígenas estão entre as áreas preservadas da Renca (EZRA SHAW/GETTY IMAGES)

"As empresas exploradoras precisam manter um plano de manejo adequado, e as áreas de proteção integral não serão afetadas", garante.

A fiscalização do local não impede o garimpo ilegal. Jos Barlow, da Universidade de Lancaster (Reino Unido), pesquisa a Amazônia há quase duas décadas e já esteve na estação ecológica do Jari, na borda sul da reserva.

"Eu conheço bem o Jari. Quando você está ali, escuta aviões de garimpeiros a cada 30 minutos. Todos estão pousando na Renca", conta o professor de ciência da conservação.

O governo federal e Marini argumentam que a atividade mais extensiva no local vai inibir os garimpeiros ilegais. Já Erika Berenguer diz o contrário: com o corte de verbas de órgãos ambientais, a abertura da região vai dificultar ainda mais a fiscalização.

O valor de R$ 3,9 bilhões, um dos menores da história, será dividido entre Ibama e outros dez órgãos ambientais neste ano, anunciou o Ministério do Meio Ambiente.


'Mudará para sempre'

Os pesquisadores também lembraram o evento de Mariana, o pior acidente da mineração brasileira, em 2015, quando uma barragem rompeu no município de Minas Gerais, destruindo vilarejos no entorno do Rio Doce.

"O desastre aconteceu em plena Minas Gerais, totalmente urbanizada, imagine o controle que se tem em lugares ermos como a Amazônia", afirma Bereguer.

Jos Barlow também critica a iniciativa de Temer: "Isso mudará a área inteira para sempre".

Ele alertou para problemas sociais na região, semelhantes aos que ocorreram em Belo Monte e Altamira, e a previsão de mudanças climáticas.

"Qualquer perda de floresta e entrada de agricultura e estradas vai baixar a resiliência das florestas para secas severas, aumentando incêndios florestais", afirma.





Em entrevista à BBC, Ghillean Prance, da organização Trustee Eden Project, da Inglaterra, considerou a quarta-feira do decreto "um dia triste para o meio ambiente da Amazônia".

Perguntado sobre o argumento do governo de que as áreas ricas ambientalmente serão preservadas, ele afirmou: "Não acredito nisso. Há cada vez mais impacto ocorrendo nas reservas indígenas."

E lembrou que o mercúrio usado na extração de ouro pode afetar populações locais. "Vilarejos já morrem de envenenamento de mercúrio na Amazônia", disse.





Processo de dois anos

A extinção do Renca é aventada desde 2015, quando começava-se a debater o marco regulatório para a mineração. Em novembro passado, representantes do CPRM, o serviço geológico brasileiro, testaram a popularidade da área com investidores numa conferência do setor em Londres.

E em abril deste ano, o Ministério de Ministério de Minas e Energia publicou uma portaria balizando os trâmites para a extinção da reserva - o decreto confirmou a mudança.

Antes mesmo da criação da Renca, na década de 1980, houve 160 requerimentos de mineração na área, segundo levantamento da WWF. A maior parte deles foi retirada, mas os que restaram, em torno de dez, terão prioridade na análise do governo de concessões.

Esses pedidos que deverão prosseguir compreendem uma área de 15 mil quilômetros quadrados, em torno de 30% do total da Renca. Para o restante da área, devem ser abertas licitações.

FONTE: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41043853

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Cães ajudam a reflorestar áreas devastadas por incêndios no Chile

Três cadelas da raça border collie carregam mochilas cheias de sementes, espalhadas enquanto elas correm e brincam. Em três meses, Olivia, Das e Summer já ressemearam 15 florestas diferentes da região de El Maule

Uma das border collie treinadas corre pela floresta devastada por um incêndio em Talca, no Chile, e espalha sementes, em foto de 23 de junho (Foto: Martin Bernetti/AFP)

Onde um dia houve milenares florestas nativas, hoje só restam troncos e terras queimadas. Mas em uma cruzada inédita, três cadelas da raça Border Collie se encarregam de semear essas zonas devastadas pelos incêndios florestais que atingiram o Chile no início do ano, os piores já registrados no país.

Um silêncio mortal invade as florestas da região de El Maule, onde em janeiro passado o fogo silenciou o trinado de aves e os uivos das raposas, que morreram ou fugiram das chamas que destruíram mais de 467 mil hectares em todo o país e deixaram 11 mortos.


As border collie Olivia, Das e Summer posam com suas mochilas especiais cheias de semente em meio a uma floresta devastada pelo fogo em Talca, no Chile, no dia 23 de junho (Foto: Martin Bernetti/AFP)

Mas desde março, os latidos de três cadelas Border Collie devolveram a esperança à zona, graças ao seu trabalho minucioso para ressemeá-la com sementes de árvores nativas, pasto e flores, que uma vez que germinarem atrairão para a floresta as aves e animais selvagens que fugiram do fogo.

"A parte principal disto é que a fauna possa viver", diz à AFP Francisca Torres, dona das três cadelas que estão fazendo essa tarefa titânica.


Francisca Torres (esquerda) e sua irmã Constanza, treinadoras do grupo de ativismo animal Pewos, preparam as mochilas de seus border collies com sementes em Talca, no Chile, no dia 23 de junho (Foto: Martin Bernetti/AFP)


'Das', de cinco anos e mãe de 'Olivia', de um ano, ao lado de 'Summer', também de um ano, saem disparadas da caminhonete de Francisca rumo ao local que devem reflorestar neste dia.

Carregam no dorso alforjes repletos de sementes, que caem no solo através de orifícios enquanto correm, pulam e brincam sem se dar conta do trabalho gigantesco que realizam.

Quando esvaziam as mochilas, Francisca, de 32 anos e que também é instrutora de cães para pessoas com deficiência, gratifica suas ajudantes com comida, antes de encher de novo as bolsas com sementes.


Ela treinou os três exemplares para obedecerem as suas ordens e não atacarem nenhum animal silvestre.

Segundo Francisca, diretora da Pewos, uma comunidade virtual sobre animais e meio ambiente com mais de 26 mil membros, os Border Collie se destacam por sua inteligência, energia e rapidez, e portanto são semeadores ideais.



Resultados promissores


A utilização de cães nesta tarefa é mais proveitosa do que se fosse feita por pessoas. Os cães podem percorrer até 30 km em um dia e espalhar até 10 quilos de sementes, enquanto um humano poderia semear no mesmo período apenas três quilômetros,explica Francisca.

As cadelas estão realizando esta tarefa há três meses, e já ressemearam 15 florestas diferentes da região de El Maule, onde em alguns lugares o pasto voltou a brotar, e já aparecem algumas pequenas árvores, enredadeiras e fungos, graças à umidade do inverno austral.



"Passamos por umas pradarias que já estão completamente verdes, e isso é trabalho delas três, de Summer, Olivia e Das", conta Francisca, que financia essa tarefa principalmente do próprio bolso, junto com algumas doações.

Ela espera que no próximo verão austral as sementes já tenham germinado, que alguns animais - como lobos, insetos, beija-flores, lagartixas, macacos e lebres - retornem às florestas, e que os prados devastados pelas chamas se transformem em pasto para as vacas, cavalos e vitelos de agricultores duramente afetados pelos incêndios.

Na emergência, os voluntários da Pewos distribuíram folhagens para os animais e conseguiram veterinários para atender cães e gatos que foram queimados nos incêndios.

A esperança é que, quando a primavera chegar, as flores atraiam as abelhas, que ficaram em uma situação crítica nesta região após a queima de milhares de polinizadoras vitais para a existência da vida.

"A situação é super crítica porque elas não têm comida. As abelhas nesta época geralmente se alimentam de algumas árvores autóctones que nesta época ainda têm flores, e agora não há nada", afirmou Constanza, irmã de Francisca, de 35 anos.

As abelhas quase desapareceram da zona, enquanto os avicultores clamam por alimentos para as poucas polinizadoras que sobreviveram às chamas.

"Nestas zonas não é possível quantificar os danos, (...) o que queimou foi muitíssimo e ardeu por muito tempo", acrescentou.

Pewos espera que o trabalho das cadelas permita que as florestas e pradarias recuperem em cerca de cinco anos o ecossistema existente antes dos incêndios.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Saiba por que alguns pássaros usam bitucas de cigarro em ninhos

Tentilhões urbanos que vivem na Cidade do México combatem infestações de carrapatos e outros insetos espalhando restos com nicotina em seus abrigos

Tentilhão mexicano alimentando seus filhotes. As substâncias presentes no cigarro são tóxicas também para as aves e podem causar, a longo prazo, problemas genéticos (IStock/Getty Images)

Com o objetivo de evitar que seu ninho seja infestado por parasitas, uma espécie de pássaro que vive na Cidade do México utiliza bitucas de cigarro que encontra no chão para fabricar sua “casa”. Segundo um estudo publicado na última semana no periódico Journal of Avian Biology, os tentilhões (Carpodacus mexicanus) urbanos usam a nicotina e outras toxinas presentes nos restos de cigarros como pesticida, afastando carrapatos e outros insetos – mesmo que, a longo prazo, as substâncias também sejam nocivas às aves e seus filhotes e possam causar problemas genéticos.
Pesquisas anteriores já haviam apontado para a propriedade da nicotina de afastar insetos, porém, os cientistas não tinham certeza de que era por esse motivo que os tentilhões colocavam as bitucas em seus ninhos.
“Uma possibilidade é que os pássaros extraiam as fibras de celulose das bordas descartadas simplesmente porque se parecem com penas”, escrevem no estudo os biólogos Monserrat Suárez Rodríguez e Constantino Macías Garcia, ambos da Universidade Nacional Autônoma do México. Os pesquisadores também levantam a possibilidade de que as bitucas ajudem a manter o ninho aquecido.
Para estudar a estranha prática das aves, os cientistas realizaram experimentos com 32 ninhos de passarinhos da espécie, todos com ovos. Um dia depois de os filhotes nascerem, os pesquisadores removeram o revestimento natural do ninho e o substituíram por feltro artificial, para evitar parasitas que poderiam ter se instalado ali durante a incubação. Então, eles adicionaram carrapatos vivos em 10 ninhos, carrapatos mortos em outros 10, e deixaram os outros 12 livres de insetos.
Observando o comportamento dos tentilhões, os cientistas perceberam que os pássaros adultos eram significativamente mais propensos a adicionar fibras de bitucas de cigarro aos ninhos contaminados com carrapatos. Além disso, em ninhos contendo carrapatos vivos, o peso do material de cigarro adicionado foi, em média, 40% maior do que o peso dos mesmos elementos em ninhos com carrapatos mortos.

Problemas genéticos

Apesar de a prática trazer benefícios para os pássaros — eles não precisam se preocupar com insetos causando danos às penas e chupando o sangue –, os pesquisadores afirmam que as substâncias encontradas nas pontas dos cigarros são tóxicas também para as aves. Outro estudo liderado por Macías Garcia, em 2012, descobriu que quanto mais bitucas eram encontradas nos ninhos dos pássaros, mais anormalidades nos cromossomos estavam presentes nos pais e nos filhotes. Segundo o biólogo, os danos genéticos interferiam na divisão celular e se manifestavam conforme os animais envelheciam.