quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

OFICINA DE JOGOS NA COLÔNIA DE FÉRIAS DA UERJ FFP

No dia 20 de janeiro realizamos mais uma oficina com os jogos sobre ecologia e biodiversidade. Dessa vez os participantes foram as crianças da colônia de férias da UERJ FFP.

Gostaria de realizar uma oficina ou uma exposição com nosso material didático? Entre em contato conosco pelo Blog ou pelo nosso Facebook


segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Oficina e Exposição de Jogos sobre Ecologia e Biodiversidade

As imagens a seguir correspondem à exposição e à oficina realizadas na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia com alunos de Ciências Biológicas da Faculdade de Formação de Professores e com alunos do primeiro segmento do EJA.






Realizamos oficinas e exposições em escolas e espaços educacionais. Para saber mais informações sobre o agendamento, entre em contato conosco aqui ou através do Facebook.

domingo, 22 de setembro de 2019

Passarinho vira radar de poluição

Pesquisadores usam sangue de pardais para medir estrago de fumaça de carros e caminhões em seres vivos


INTERVENÇÃO DE PAULA CARDOSO SOBRE FOTOS DE JUCA VARELLA E ALF RIBEIRO/ FOLHAPRESS


Os pardais carregam no sangue as marcas da poluição emitida pelos carros e caminhões que circulam pelas cidades brasileiras. Isso foi o que concluíram pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e da Universidade de Reading, no Reino Unido, num estudo feito em Rondonópolis, cidade de 230 mil habitantes que é um importante ponto de chegada e distribuição da produção de soja no Brasil. “As consequências da falta de planejamento de transporte no Brasil estão escritas no sangue dos pardais”, diz o título do artigo que apresenta os resultados do estudo, recém-publicado na revista Urban Geography.
Os efeitos da poluição podem ser notados em duas características fáceis de medir no sangue dos animais. O gás carbônico produzido pela queima dos combustíveis provoca um aumento na quantidade de hemoglobina, as moléculas presentes nos glóbulos vermelhos que transportam o oxigênio para os demais tecidos do corpo. Além disso, a exposição das aves ao material particulado emitido pelos veículos também afeta a quantidade de heterófilos, um tipo de glóbulos brancos, as células de defesa do sangue.

Os pardais são pássaros pardos pequenos que vivem em meio urbano, alimentando-se de restos de lixo encontrados junto às casas. Por serem sedentários, são ideais para o estudo da poluição, explicou o ecólogo Fabio Angeoletto, que idealizou a pesquisa. Como o raio de deslocamento dos pardais é de no máximo 500 metros, é possível ter certeza de que alterações observadas em laboratório se devem a mudanças ambientais no bairro em que eles circulam. “Se o local estiver poluído, vai acusar no sangue”, disse Angeoletto.

Quem conduziu os experimentos foi Deleon da Silva Leandro durante seu mestrado em geografia pela UFMT. Leandro – um biólogo de 34 anos nascido em Rondonópolis – capturou cerca de 240 pássaros em quatro localidades diferentes. Duas delas eram áreas verdes pouco afetadas pela poluição, dentro da cidade e no limite da Zona Rural. As outras duas eram pontos críticos: um no polo industrial de Rondonópolis, voltado para o processamento de grãos, e o outro no entroncamento de duas estradas federais, a BR-163 e a BR-364, onde o tráfego diário é de 26 mil veículos.

Situada no Sul do Mato Grosso, Rondonópolis é um ponto de convergência ao qual chegam caminhões trazendo soja de todo o estado. Ali fica o terminal ferroviário de onde os grãos são despachados até os portos de Santos ou Paranaguá, para serem exportados. Mas a poluição se deve também ao crescimento explosivo da frota de carros e motos em Rondonópolis. Enquanto a população da cidade aumentou 25% entre 2005 e 2015, impulsionada pelo agronegócio, o número de veículos quase triplicou. O padrão se repetiu em todo o país, como fruto dos incentivos fiscais dados pelos governos Lula e Dilma à indústria automotiva. “Quem pode comprar uma moto prefere isso a usar o transporte público de Rondonópolis, que é horroroso”, disse Angeoletto.

Para capturar os pássaros, Deleon da Silva Leandro ia a campo equipado com uma rede especial. A cada vez que pegava um pardal, ele pesava e media o animal e coletava uma amostra de seu sangue, antes de soltá-lo. “Eu tentava não passar mais de cinco minutos manipulando a ave”, disse o biólogo. Isso não impediu que sua presença fosse notada, e mais de uma vez ele foi abordado pela polícia. “Alguém me denunciou achando que eu estava fazendo um ritual de magia negra”, contou. “Houve também um cidadão que me abordou querendo saber se eu estava fazendo maldade com os bichos.”




Os resultados confirmaram a hipótese dos pesquisadores: no sangue dos pássaros capturados na região industrial e junto às estradas foi possível notar as assinaturas típicas da exposição à poluição. Os resultados mais alarmantes foram obtidos no entroncamento rodoviário: no sangue das aves coletadas ali, havia 24% mais hemoglobina e 50% mais heterófilos, em comparação com os animais que viviam nas áreas verdes.

A ideia de usar os pardais para monitorar a poluição urbana é do biólogo José Ignacio Aguirre, da Universidade Complutense de Madrid. Convidado por Angeoletto, o espanhol passou uma temporada em Rondonópolis e treinou os pesquisadores brasileiros para capturar pardais e tirar seu sangue. O protocolo experimental foi simplificado para que pudesse ser feito com os equipamentos disponíveis no campus de Rondonópolis da UFMT. “Você pega a gota de sangue, faz a lâmina, põe no microscópio e conta”, resumiu Angeoletto.

O ecólogo tem 49 anos e nasceu em Maringá, no Paraná – uma cidade que, como Rondonópolis, é considerada média, ou seja, com população entre 100 mil e 500 mil habitantes. Um em cada quatro brasileiros vive em cidades como essas (são 54 milhões de pessoas no total). As pesquisas de Angeoletto buscam soluções para tornar essas cidades mais amigáveis para a biodiversidade. A gestão ambiental desses municípios costuma ser precária, disse o pesquisador. “Há poucos quadros qualificados nas secretarias de meio ambiente e baixa capacidade de formular políticas públicas.”

Angeoletto defende que a coleta de sangue dos pássaros se torne uma alternativa para avaliar a qualidade do ar. “Há pardais em praticamente todas as cidades do Brasil, mas só 11% dos municípios médios têm uma estação de monitoramento da atmosfera.” O ecólogo notou que os indicadores medidos no sangue das aves permitem acusar a presença dos poluentes, mas não determinar sua quantidade. “Isso nos basta para confrontar a prefeitura e mostrar que a poluição em Rondonópolis é um problema que precisa ser abordado.”

Em novembro, o pesquisador vai apresentar os resultados a autoridades municipais numa audiência pública solicitada pelo Ministério Público de Mato Grosso, que ajudou a financiar o estudo com 20 mil reais tirados de um fundo arrecadado com multas ambientais.






sábado, 31 de agosto de 2019

A acústica do Meio Ambiente

Registros em áudio são usados para caracterizar ecossistemas e identificar alterações causadas pelo homem


Hidrofone criado na USP (Linilson Padovese / USP)

Graves, médios ou agudos, os sons gerados pelo ser humano ou pela natureza inundam o planeta e podem oferecer informações sobre a saúde dos ecossistemas. A miríade de estalos, silvos, trinados, urros, guinchos e estrilos produzidos pelos seres vivos amplia o conhecimento sobre como as diferentes espécies interagem entre si e com o ambiente, além de denunciar os efeitos da interferência humana. No Brasil, começam a se estruturar grupos de pesquisa dedicados a estudos de ecologia da paisagem sonora. Esse ramo novo da ecologia integra conceitos da física, música, arquitetura e psicologia, além, claro, da biologia. É uma forma alternativa e complementar de fazer estudos ambientais que, essencialmente, dependem de observações visuais ou da captura de exemplares.

Os pesquisadores trabalham na caracterização sonora de ambientes marinhos e terrestres e analisam a utilidade de algoritmos que tentam sintetizar a riqueza de características físicas do som em um só índice e, assim, facilitar a análise de quantidades gigantescas de dados. Também desenvolvem estratégias computacionais para identificar eventos sonoros específicos. “Em muitos casos, o registro sonoro de um ambiente facilita a identificação de espécies em risco de extinção”, conta o engenheiro Linilson Padovese, que desenvolve seus equipamentos de gravação em terra e na água no Laboratório de Acústica e Meio Ambiente (Lacmam) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

No Lacmam, Padovese e o engenheiro Elder Santos, seu aluno de doutorado, e o estatístico Paulo Hubert Junior, atualmente em estágio de pós-doutorado, criaram metodologias envolvendo algoritmos estatísticos e de aprendizado de máquina para caracterizar uma paisagem de forma mais completa, englobando os sons dos animais e os registros visuais do crescimento da vegetação. Eles testam essa estratégia usando dados coletados em um trecho de Mata Atlântica com áreas em diferentes estágios de recuperação nos municípios de Itatiaia e Resende, no Rio de Janeiro.

A pedido de entidades de conservação ambiental, o grupo desenvolveu uma estratégia computacional baseada em aprendizado de máquina para identificar automaticamente em gravações o canto de aves específicas, como o papagaio-chauá (Amazona rhodocorytha), papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea) e papagaio-de-cara-roxa (Amazona brasiliensis), todos ameaçados de extinção. Segundo Padovese, a análise das gravações, de Itatiaia e Resende, permitiu distinguir ao menos em dois momentos a vocalização do chauá, que se acreditava estar extinto na região.




Linilson Padovese iniciou seus trabalhos em ecologia de paisagem sonora no oceano. Usando hidrofones e gravadores produzidos no laboratório da USP, ele caracterizou – com o engenheiro da computação cubano Ignácio Sánchez Gendriz, hoje pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – o ambiente sonoro no Parque Estadual da Laje de Santos e no Parque Estadual Xixová-Japuí, ambos no litoral de São Paulo. Ali, identificaram a presença de baleias-jubarte e diferentes tipos de coros de peixes, que normalmente produzem sons com mais intensidade ao amanhecer e ao entardecer. Os coros do final da tarde começam quase sempre por volta de 18h e, em uníssono, ganham progressivamente intensidade. “Alguns seguem por horas e só diminuem no meio da madrugada”, conta Padovese, que nas gravações identificou ruídos produzidos pela presença de barcos em locais nos quais não deveriam estar.

O trabalho dos biólogos, engenheiros e cientistas da computação que estudam as paisagens sonoras brasileiras vai além de registrar a diversidade de sons da natureza. Eles usam esses dados para caracterizar os biomas e compará-los em momentos e condições diferentes. Em 2015, as biólogas Marina Duarte, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), e Renata Sousa-Lima, da UFRN, com os ecólogos italianos Nadia Pieretti e Almo Farina, ambos à época na Universidade de Urbino, começaram a estabelecer as diretrizes de monitoramento de ecossistemas brasileiros.

Em 2012 e 2013, Duarte instalou gravadores em uma área de Cerrado, outra de Mata Atlântica e uma terceira de campos rupestres, todas em Minas, e registrou por seis dias os sons de cada um desses ambientes no período seco e no chuvoso. “Não havia padrão internacionalmente aceito para analisar os registros de paisagens sonoras, e os diferentes grupos decidiam de forma subjetiva de quanto em quanto tempo analisar os dados”, conta Duarte. “Decidimos estabelecer um padrão para alguns ecossistemas brasileiros.”

Registraram-se quase 800 horas de gravação em cada ecossistema e os dados foram analisados usando amostragens a intervalos crescentes. Os pesquisadores começaram examinando 1 minuto de som a cada 5 de gravação e aumentaram o intervalo até chegar a 1 minuto a cada hora, segundo artigo publicado em 2015 na Tropical Conservation Science. Como esperado, à medida que o intervalo entre as amostras cresce, perde-se informação. Ao tentar estabelecer o intervalo que equilibrasse viabilidade de coleta e qualidade dos dados, eles notaram que a frequência de análise que fornecia o máximo de informação varia de um ecossistema para outro. “Na Mata Atlântica, é possível examinar 1 minuto a cada meia hora”, explica Duarte. “No Cerrado é preciso analisar 1 minuto a cada 15 e, nos campos rupestres, 1 a cada 5.”



Equipamento registra os sons do ambiente em uma área de Cerrado em Minas Gerais (Marina Duarte / Puc-Mina)


Marina Duarte se interessou pela ecologia de paisagem sonora no mestrado, quando estudava o comportamento de saguis-de-tufos-pretos (Callithrix penicillata) em um parque de Belo Horizonte e notou o impacto dos ruídos urbanos sobre o comportamento dos animais. No doutorado, orientada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por Marcos Rodrigues e coorientada por Robert Young, da PUC-Minas, ambos etólogos, e por Sousa-Lima, Duarte investigou o efeito da poluição sonora da mineração sobre um trecho de Mata Atlântica nos municípios de São Gonçalo do Rio Abaixo e Santa Bárbara, a cerca de 100 quilômetros a leste de Belo Horizonte.

Ela instalou microfones no interior de um fragmento bem preservado de floresta e outros na borda, distantes 500 metros da mina Brucutu, uma das maiores áreas de extração de minério de ferro do mundo. De outubro de 2012 a agosto de 2013, os sons foram gravados por sete dias seguidos, com um intervalo de dois meses. Explosões, sirenes, barulhos de máquinas e, principalmente, o tráfego de caminhões pesados, que chegavam a 700 por dia em alguns períodos do ano, afetavam boa parte da área estudada.

Os efeitos foram mais intensos na borda da floresta, a 25 metros da estrada pela qual o minério era transportado. Ali, a complexidade de sons foi significativamente menor do que no interior do fragmento, um indicativo de menor diversidade de espécies. A riqueza sonora na margem da floresta próxima à mina também foi menor do que em outra área de borda bem menos ruidosa, próxima a uma estrada de terra usada por carros.



Trecho de Caatinga no Rio Grande do Norte (Diogo Sergio / Wikimedia Commons)


Som dos insetos
Vocalizações e outros sons produzidos pelos animais eram mais frequentes de dia do que à noite no trecho de mata próximo à área de mineração – o contrário ocorreu com a área mais distante. A faixa de frequência em que os insetos produziam seus sons também diferiu entre o primeiro e o segundo ponto. Em uma provável adaptação ao ambiente ruidoso, eles estridulavam em uma faixa de frequências mais estreita (mais grave ou mais aguda do que o ruído das máquinas) na borda próxima à mina Brucutu, enquanto os insetos na área de mata fechada utilizavam uma gama sonora maior. Com as aves ocorreu o oposto, relatam os pesquisadores em artigo publicado em 2015 na revista Biological Conservation. O canto de algumas, como o tucanuçu (Ramphastos toco) e a pomba-amargosa (Patagioenas plumbea), só foi ouvido em áreas de mata fechada distantes da mina.

Em Natal, Sousa-Lima e sua equipe no Laboratório de Bioacústica da UFRN trabalham na caracterização sonora de outros ecossistemas. No último ano, a bióloga Eliziane Garcia de Oliveira realizou gravações na estiagem e no período chuvoso em uma área de Caatinga. Ela investiga o impacto de geradores de energia eólica nessa paisagem sonora e, antes de saber se algo mudaria, precisava conhecer o comportamento natural do ecossistema. As gravações iniciais surpreenderam. A vegetação seca e esbranquiçada na maior parte do ano é silenciosa. Escuta-se um cricrilar distante, além de pios e chilreios de uma ou outra ave. É só cair a chuva, no entanto, que a Caatinga se transforma: o estridular dos insetos se intensifica, outras aves se põem a cantar e a tagarelice de sapos, rãs e pererecas preenche a mata. “O ambiente sonoro se torna complexo”, resume Oliveira. É tempo de reprodução.

Em outro trabalho coordenado por Sousa-Lima, a bióloga Luane Ferreira comparou seis índices acústicos com a identificação de registros sonoros feita manualmente, à medida que se ouvem as gravações e se veem seu registro gráfico, em três áreas de Cerrado na serra da Canastra, em Minas. Segundo estudo publicado em 2018 no Journal of Ecoacoustics, nenhum índice capturou plenamente a diversidade de espécies desse ambiente tropical.



Representação gráfica de sons de aves, insetos e chuva registrados em diferentes horários (Eliziane Garcia De Oliveira)


Música e ambiente
A origem dessa nova área da ecologia, formalizada em uma série de artigos apresentados em 2011 em uma edição especial da revista Landscape Ecology, está intimamente ligada à música, em especial ao trabalho do músico norte-americano Bernie Krause, um dos criadores da ecologia de paisagem sonora. Krause iniciou sua carreira nos anos 1960 como guitarrista de estúdio e trabalhou com bandas de rock, como The Doors e Rolling Stones. Com Paul Beaver, formou a dupla Beaver & Krause, que introduziu sintetizadores na música pop e no cinema. Sua carreira começou a mudar em 1968, quando ele e Beaver foram contratados por uma gravadora para fazer uma série de álbuns diferentes. O inicial, In a wild sanctuary, seria o primeiro a trazer longos trechos de sons da natureza.

Em meio século, Krause acumulou cerca de 5 mil horas de gravações, com sons de quase 15 mil espécies. Servem para pesquisa e para a música, integrando obras como The great animal orchestra symphony, symphony for orchestra and wild soundscapes, composta pelo britânico Richard Blackford em colaboração com Krause. Sons de cigarras, sapos, corujas, lobos, gibões e baleias-jubarte se misturam aos de violinos, flautas e outros instrumentos de uma orquestra na obra apresentada pela primeira vez em 2014.

Em um comentário publicado em julho de 2018 na revista Biotropica, um grupo de biólogos e ecólogos dos Estados Unidos, da Austrália, da Alemanha e do Brasil reafirmam a necessidade de aumentar o monitoramento acústico de ecossistemas tropicais. O texto propõe a criação de um repositório global com as gravações, que ficariam disponíveis a todos. “As gravações de paisagens sonoras fornecem um registro permanente de um determinado local em certo momento e contêm uma riqueza inestimável e insubstituível de informações”, afirma o grupo. Os gravadores baratearam e os sistemas de armazenamento de dados melhoraram. Por essa razão, reforçam, deixar de coletar dados sonoros sobre os ecossistemas tropicais pode representar uma falta grave com as gerações futuras que poderiam se beneficiar de pesquisas em ecologia.


quarta-feira, 1 de maio de 2019

Bolsonaro e a dessalinização da água

No Nordeste brasileiro existem cerca de 3,5 mil pequenas unidades de dessalinização em poços de água salobra — Foto: Reprodução TV Globo

A primeira missão dada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro para seu ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, foi buscar em Israel soluções para a seca do Nordeste, como por exemplo, usinas de dessalinização que pudessem tratar a água salobra da região. Busca-se fora do país uma solução que, na verdade, já vem sendo aplicada desde 2004 - com tecnologia nacional chancelada pela Embrapa - e que já resultou na instalação de 244 sistemas de dessalinização no Ceará, 44 na Paraíba, 29 no Sergipe, 10 no Piauí, 68 no Rio Grande do Norte, 45 em Alagoas, e 145 na Bahia.




O Programa Água Doce (PAD), desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente, vai na direção das soluções eficientes e de baixo custo, como vinha sendo também a instalação de cisternas para a coleta de água de chuva nas comunidades que mais se ressentem dos efeitos da estiagem. Resta ainda a finalização das obras de transposição das águas do rio São Francisco e, principalmente, a definição de quem pagará pela manutenção do sistema. Os custos de instalação foram totalmente assumidos pelo governo federal, e os governadores dos Estados beneficiados pela obra deveriam arcar com as demais despesas, mas nada indica que isso vá acontecer. Quem está pagando a conta é a “viúva”, ou seja, todos nós. Caberá ao presidente eleito resolver esse embroglio político que sangra os cofres da União.

Usinas de dessalinização - especialmente as de grande porte como as desenvolvidas em Israel - demandam um consumo elevadíssimo de energia elétrica e um plano de manejo adequado para as toneladas de impurezas removidas no processo. Israel já é parceiro estratégico do Brasil há décadas no compartilhamento de tecnologias inteligentes na área da irrigação, principalmente o gotejamento, que reduziu drasticamente o consumo de água na fruticultura de exportação.

Investir em usinas de dessalinização de grande porte por aqui poderia até ser uma opção se o Brasil esgotasse primeiro outras alternativas, principalmente, a exploração da água de reuso. Transformar a água tratada de esgoto em insumo agrícola, industrial ou até mesmo em água potável é uma alternativa mais barata e absolutamente viável. Hoje o esgoto coletado e tratado é lançado nos corpos hídricos sem qualquer utilidade ou serventia. Dentre as raras exceções, destaca-se o Projeto Aquapolo - maior empreendimento para produção de água de reuso industrial na América do Sul - que transforma esgoto doméstico de São Paulo em água usada por 12 grandes indústrias. O projeto desenvolvido pela Sabesp em parceria com a BRK Ambiental fornece 650 litros de água de reuso por segundo - o suficiente para abastecer uma cidade de 500 mil habitantes - a um preço até 50% mais baixo que o da água potável. Bom para as indústrias, melhor ainda para a Grande São Paulo, que reforça seu estoque de água nos mananciais que abastecem a população.

A Embrapa também desenvolve experiências bem sucedidas de aproveitamento da água de reuso na irrigação de lavouras no Nordeste. O projeto prioriza as culturas que não absorvem os elementos patogênicos presentes no esgoto humano após o tratamento primário, quando se dá apenas a remoção dos sólidos. As plantas que se beneficiam dos nutrientes do esgoto (nitrogênio, fósforo, potássio, etc.) podem ser ingeridas sem riscos para a saúde, e o agricultor ainda economiza na compra de fertilizantes, uma vez que o esgoto cumpre a função de adubar o solo. Apesar do conhecimento construído em torno dessa tecnologia - já empregada em outros países - ela não teria ainda deslanchado por aqui por pressão do setor químico, que comercializa fertilizantes.

Importante dizer que a água de reuso também poderia ser potabilizada e servida sem riscos para a população. Se isso não aconteceu ainda no Brasil - como se vê em Cingapura, Namíbia e nos estados do Texas e da Califórnia, nos Estados Unidos - não é por falta de tecnologia, mas preconceito. Considerando a péssima qualidade dos mananciais que abastecem algumas das principais regiões metropolitanas do Brasil, pode-se dizer que, tecnicamente, já bebemos água de reuso. Mas ainda não há regulamentação que permita a potabilização da água de reuso para consumo humano.

Esta seria uma excelente contribuição do presidente eleito para a gestão dos recursos hídricos no Brasil. Abrir caminho para a água de reuso, manter os programas que levam cisternas e mini usinas de dessalinização no Nordeste, concluir as obras de transposição do São Francisco (definindo as regras que garantirão a resiliência econômica do sistema), e estimular o consumo consciente de água.

Faltou dizer que o maior consumidor de água (no Brasil e no mundo) é a agricultura. É também o setor que mais desperdiça esse precioso recurso. Mas abordaremos isso em uma outra oportunidade.



segunda-feira, 8 de abril de 2019

Licenciamento recorde de novos agrotóxicos

Enquanto no andar de cima a palavra de ordem é “libera geral”, multiplicam-se os fatores de risco à saúde e ao meio ambiente.

Brasil está consumindo agrotóxicos já proibidos em vários países — Foto: Divulgação

Sem estardalhaço, com os espaços mais nobres do noticiário tomados por sucessivas tragédias, passou despercebida a notícia de que o atual governo autorizou em seus primeiros 47 dias de existência, 54 novos agrotóxicos no mercado, o que dá uma média superior a um novo produto licenciado por dia. O Ministério da Agricultura alega que todos os ingredientes já eram comercializados no Brasil, e que a novidade seria a aplicação desses produtos em novas culturas, o sinal verde para que novos fabricantes possam comercializá-los, e que novas combinações químicas entre eles sejam permitidas. A julgar pelas explicações dadas pelo ministério, ninguém deveria ficar preocupado. Acoberta-se assim - mais uma vez - a apreensão que acompanha já há algum tempo vários técnicos (alguns do próprio governo), em relação à forma como o Brasil vem se tornando o paraíso do setor químico com 2.123 (número válido até o fechamento desta edição) agrotóxicos licenciados.

Sempre discreta, longe dos holofotes, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, cumpre aquilo que se espera de quem, no ano passado, no comando da Frente Parlamentar da Agropecuária, liderou o rolo compressor da bancada ruralista na aprovação do chamado “Pacote do Veneno”. A aprovação do PL 6299/2002 em uma comissão especial do Congresso abriu caminho para a tramitação de um pacote que, na prática, reduz drasticamente as atribuições do Ibama (meio ambiente) e da Anvisa (saúde) no processo de licenciamento desses produtos. O texto aprovado confere ao Ministério da Agricultura poderes sem precedentes para autorizar a comercialização de agrotóxicos no Brasil.

Em favor da flexibilização da lei - o “Pacote do Veneno” ainda não foi votado em plenário - os ruralistas dizem que o processo usual de licenciamento dessas “moléculas” (como a ministra prefere chamar) costuma levar anos, prejudicando a produção. O grande problema é a distância que separa o gabinete da ministra do Brasil real. Enquanto no andar de cima a palavra de ordem é “libera geral”, multiplicam-se os fatores de risco à saúde e ao meio ambiente.

Um dos exemplos da farra na pulverização de veneno nas lavouras vem dos exames realizados em amostras de alimentos consumidos pela população. A Fundação Oswaldo Cruz abriga o mais importante laboratório federal de análises de substâncias químicas presentes nos alimentos, ligado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Mais de 30 alimentos costumam ser periodicamente analisados por lá. Para surpresa dos pesquisadores, em algumas amostras é possível encontrar até 15 princípios ativos de diferentes agrotóxicos, o que indica uma brutal desinformação do agricultor que está usando “bala de canhão para matar uma mosca”.

“Quem determina quais produtos químicos os agricultores devem usar, e em quais dosagens, é o varejista”, afirma uma fonte da Embrapa. Além de não dispor do conhecimento técnico necessário para indicar a melhor resposta para todas as situações, o vendedor ainda recebe comissão pelas vendas desses produtos químicos. Curiosamente, o próprio relator do “Pacote do Veneno”, deputado Luís Nishimori (PR-Paraná), esteve à frente de duas empresas que vendiam agrotóxicos (Nishimori Agricultura e Mariagro Agrícola Ltda.), mas, segundo ele, à época da votação, as empresas estariam “desativadas”. Em tempo: o conflito de interesses no Congresso alcança de forma avassaladora vários parlamentares ligados ao agronegócio, mineração, indústria das armas, etc.

Outro motivo de preocupação é a instrução normativa nº 40 da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura (lançada no ano passado) que deu plenos poderes aos engenheiros agrônomos para determinarem livremente misturas de diferentes agrotóxicos para a produção de receitas de acordo com cada situação. Ou seja, deu-se carta branca para que estes profissionais inventem novas receitas químicas sem que os efeitos dessa mistura sobre a saúde ou o meio ambiente sejam devidamente conhecidos. “Empoderamos os engenheiros agrônomos”, disse então o ministro da Agricultura, Blairo Maggi.

Uma tragédia silenciosa sobre a qual nem a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e muito menos o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se pronunciaram até agora é a elevada mortandade de abelhas no Brasil em eventos associados à pulverização de agrotóxicos. O registro mais recente de desastre vem do Rio Grande do Sul, onde a Associação dos Apicultores Gaúchos contabiliza a perda de 6 mil colmeias nos últimos meses, inviabilizando a entrega de 150 toneladas de mel. “Claro que tem outras causas de mortes, mas em 80% das análises das abelhas mortas, foi constatado algum tipo de agrotóxico presente”, afirmou ao G1 o tenente Edelberto Ginder, da Patrulha Ambiental da Brigada Militar de Santa Rosa.

O prejuízo dos apicultores é apenas a ponta do iceberg. O maior problema - já visível em vários países - é o impacto sobre a polinização de alimentos. Estima-se que o trabalho realizado de graça pelas abelhas tenha um valor econômico equivalente a 10% da produção agrícola mundial. No Brasil, mais de 50 milhões de toneladas de produtos agrícolas dependem diretamente da polinização. Alguns cálculos dão conta de que a morte contínua das abelhas pode significar quase 50 bilhões de reais de prejuízos para a agricultura brasileira.

O assunto é tão grave e urgente que para proteger as abelhas, a União Europeia decidiu no ano passado proibir o uso de agrotóxicos claramente associados a mortandade do inseto. No Brasil, nada sugere que algo parecido venha a acontecer. Alguns produtos proibidos na Europa - como os neonicotinoides, inseticidas derivados da nicotina - continuam sendo pulverizados em larga escala por aqui.

Outro problema amplamente diagnosticado no Brasil é a pulverização de venenos por aviões, sem que se respeitem os protocolos básicos de segurança como evitar a dispersão dos agrotóxicos em sobrevoos muito altos ou quando haja vento forte. A chuva de veneno fora do perímetro das lavouras com impactos sobre a saúde das comunidades próximas e a biodiversidade vem sendo documentada há anos, sem a devida resposta do poder público. Há pouco mais de um ano, na maior operação de combate às práticas criminosas de pulverização irregular por aeronaves, nada menos que 48 aviões foram interditados nos Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Paraná. A Operação Deriva II resultou na aplicação de R$ 8,2 milhões em multas que, como se sabe, resultam em processos intermináveis sem prejuízo efetivo para os infratores. Aeronaves não autorizadas pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e pulverização de agrotóxicos proibidos por lei no Brasil ou com prazos de validade vencidos são infrações comuns. Não se sabe quando será a próxima operação ou por que elas acontecem de forma tão espaçada.

Uma cena da novela “Velho Chico”, de Benedito Ruy Barbosa, exibida em 2016 pela TV Globo, ilustra bem o que parece ser o pensamento de uma parcela dos produtores rurais que aplicam agrotóxicos de forma irresponsável em suas lavouras. Na fazenda de Afrânio (Antonio Fagundes), as plantações de manga recebem cargas monumentais de veneno. Maria Tereza (Camila Pitanga), filha de Afrânio, fica horrorizada com o que vê. E dá a ordem aos funcionários: “Podem parar com isso. Todos vocês”. Eles dizem que devem continuar, mas ela é taxativa: “Que pare o mundo se for preciso. Eu não quero mais uma só manga sendo colhida encharcada”. Maria Tereza colhe uma fruta do pé e segue irritada até o escritório do pai. Lá chegando, cobra dele uma explicação: “Pai, o que é isso? O senhor está encharcando a manga de veneno. Muito mais do que o necessário. Isso não está certo. Pode dar problema”. O pai olha com ar de desdém para a filha e responde sem afetação: “É daí? Eu não planto pra comer. Eu planto pra vender”.

O Brasil merece comer o que se planta sem sustos, sem riscos, sem que o interesse privado se sobreponha ao interesse público.





terça-feira, 12 de março de 2019

Brasileira tem tese de doutorado considerada a mais importante do mundo para a Biologia



Apesar do recente corte orçamentário do governo em relação ao campo científico, nós ficamos felizes e orgulhosos em saber que muitos estudantes e profissionais brasileiros seguem resistindo e mesmo sem incentivo, conseguem fazer história, como é o caso de Thaís Vasconcelos, que se teve sua tese de doutorado considerada “apenas” a mais importante para a história da biologia.

Thaís tem apenas 29 anos e fez seu doutorado em Londres, graças ao programa Ciências sem Fronteiras e acaba de se tornar a primeira latino-americana a ser premiada pela Linnean Society da Inglaterra desde que a premiação começou a existir, em 1888. A jovem é graduada em ciências biológicas e possui mestrado em botânica pela UnB – Universidade de Brasília.

Sua tese analisa a história evolutiva das plantas através do material genético de espécies diferentes e receber este prêmio significa que ela foi reconhecida por uma das mais importantes e respeitadas condecorações no mundo das ciências. Sua pesquisa é extremamente relevante, pois permite que os cientistas compreendam as relações de parentesco entre as diferentes espécies, podendo até mesmo traçar uma linha do tempo.

Através de suas pesquisas ela pôde descobrir, por exemplo, que a pitanga e o eucalipto fazem parte da mesma família e que, algumas espécies que hoje estão aqui na América do Sul, chegaram no planeta Terra há 40 milhões de anos: “por meio da Antártida, quando esta ainda não era coberta por gelo. A gente sabe disso por causa do parentesco entre as plantas daquela região com as daqui e também por causa de fósseis na Antártida e na Patagônia”.

Thaís também conseguiu mapear a relação do formato das flores com as abelhas responsáveis pela polinização. “As flores dessas plantas precisam ter um formato específico para que a polinização aconteça e esse formato mudou muito pouco ao longo dos últimos 40 milhões de anos, o que não era um resultado esperado. Geralmente, as flores mudam muito de formato ao longo da evolução por causa da seleção por polinizadores”.

Sua tese chama “Homogeneidade morfológica, heterogeneidade filogenética e complexidade sistemática em grupos ricos em espécies” e foi publicada no periódico científico Comparative Biochemistry and Physiology Part B: Biochemistry and Molecular Biology. Além de ter sua pesquisa muito elogiada, os avaliadores de seu belíssimo trabalho completaram e disseram: “É excepcional e não apenas pela sua ciência. Ela é ricamente ilustrada com impressionantes micrografias eletrônicas de varredura, retratos florais, bem como figuras eficazes e muitas vezes muito bonitas, que simplesmente transmitem ideias e processos complexos para o leitor não especializado”.

Quanto à falta de incentivo por parte do governo, Thaís lamenta: “É importante mostrar que aqui tem muita gente boa também e que a gente já entenderia muito mais sobre a nossa biodiversidade se houvesse mais incentivos à pesquisa dentro do Brasil. Espero que esse prêmio me dê mais energia para tentar fazer a diferença aqui, porque, às vezes, ir para fora do país parece muito atraente, parece que as coisas serão mais fáceis lá“.